No último dia 19, o ministro Ives Gandra Martins, presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), apresentou, durante a sessão de encerramento do ano judiciário, a retrospectiva e o balanço de 2016, que foi um ano de muitas dificuldades, pois, como afirmou o próprio ministro, “a crise econômica, política e social pela qual o Brasil passa teve suas repercussões na Justiça do Trabalho e no TST”.
O ano de 2017, por sua vez, também promete ser um ano complicado, com muita discussão legislativa, doutrinária e jurisprudencial, especialmente em virtude da reforma trabalhista pretendida e já anunciada pelo Governo Federal.
Um dos pontos mais controversos é o que trata do “empoderamento” das Normas Coletivas, que em alguns itens, especificados em lei, passariam a ter prevalência sobre a legislação trabalhista, como negociações acerca de horas extras, banco de horas, intervalos e férias.
É um tema que desperta paixões, seja pelo lado daqueles que defendem o projeto como sendo uma atualização necessária da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) ou mesmo daqueles que argumentam que tal reforma seria um retrocesso social, pois apenas implicaria na mitigação de direitos tão arduamente conquistados pelos trabalhadores.
Nesse cenário, que exige um amplo e transparente diálogo com a sociedade, foi muita acertada a decisão do Governo, que recuou em seu posicionamento inicial de fazer mudanças na legislação trabalhista por meio de Medida Provisória. Ao decidir por encaminhar a reforma trabalhista ao Congresso, através de projeto de lei, o Governo reconheceu a sensibilidade da matéria e deixou claro que ela precisa ser profundamente debatida, garantindo uma participação ativa aos muitos interessados, das mais variadas vertentes ideológicas.
É indiscutível que, após 73 anos de sua vigência, a CLT precisa passar, urgentemente, por um processo de modernização, pois o mundo mudou (e muito!), principalmente em virtude de um avanço tecnológico sem precedentes, que vem criando relações jurídicas inovadoras, sendo que muitas delas ainda não estão devidamente disciplinadas em virtude da defasagem da legislação trabalhista.
Quanto ao “empoderamento” das Normas Coletivas, certamente é o caminho correto a ser seguido, inclusive já defendido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em julgamento recente (RE 590.415), quando se fixou tese que confere “especial relevância ao princípio da autonomia da vontade no âmbito do direito coletivo do trabalho”.
O projeto de reforma apresentado pelo Governo sugere itens que seriam passíveis de negociação coletiva e cujas normas teriam prevalência sobre a CLT. Já é uma boa iniciativa, que provavelmente será aperfeiçoada ao longo do processo legislativo.
Talvez um melhor caminho não fosse a fixação de itens passíveis de negociação coletiva, sob pena de engessamento da matéria com o passar dos anos. Uma alternativa interessante seria a definição legal dos direitos trabalhistas absolutamente indisponíveis, que corresponderiam a um “patamar civilizatório mínimo”, em expressão utilizada pelo Prof. Mauricio Godinho Delgado, ministro do TST.
Desse modo, os direitos que formariam esse “patamar civilizatório mínimo” (ex: pagamento do salário mínimo, repouso semanal remunerado, normas de saúde e segurança do trabalho, etc.), por proteção, não seriam passíveis de negociação coletiva. Por outro lado, todos os demais direitos estariam sujeitos à negociação coletiva, conferindo autonomia aos Sindicatos Patronais e Operários para que as convenções e acordos coletivos firmados sirvam, efetivamente, como “um valioso mecanismo de adequação das normas trabalhistas aos diferentes setores da economia e a diferenciadas conjunturas econômicas” (RE 590.415).
Fato é que este é apenas o início de uma valiosa discussão, em que toda a sociedade civil, direta ou indiretamente, deverá estar atenta e buscar o embate de ideias, sem maniqueísmos tolos, para que, ao fim do processo, a legislação trabalhista seja modernizada e fortalecida, sem que aja prejuízos aos direitos e garantias do trabalhador brasileiro.