Os impactos da LGPD nos procedimentos de Recuperação de Crédito

*Por Michelle Tachy

É de conhecimento público que o nível de inadimplência no Brasil, em regra, é elevado, mas em 2023 este número tem atingido índices alarmantes. Segundo informe do Serasa Experian,[1] o levantamento de abril de 2023 indica que o Brasil conta com 71,44 milhões de pessoas em situação de inadimplência. O crescimento foi de 732 mil novos inadimplentes em relação ao mês anterior.

Nesse contexto, pode-se perceber que o devedor está cada vez mais desprovido de rendimento e liquidez para adimplir suas obrigações, o que reduz significativamente a probabilidade do credor ter seu crédito satisfeito.

Além disso, a lentidão das demandas judiciais dificulta por demais o pagamento das dívidas, especialmente em razão do longo e penoso caminho que o credor precisa percorrer até a conclusão uma ação judicial de cobrança. Em muitos casos, quando o vencedor na ação finalmente adentra às medidas de constrição para reaver os valores devidos, descobre que o devedor não possui mais patrimônio para o pagamento da dívida, inviabilizando o cumprimento da obrigação.

Considerando o contexto acima, as bancas especializadas, para se manter à frente no processo de captura de crédito, se utilizam de um profundo processo investigativo de rastreio e localização de ativos financeiros e patrimônios de devedores. Durante este levantamento, invariavelmente se faz necessário a análise e tratamento de dados do titular que está inadimplente e, atualmente, este procedimento tem que estar alinhado com a legislação vigente, sob pena do credor se tornar devedor, em razão do tratamento indevido dos dados do inadimplente.

A Lei Geral de Proteção de Dados, mais precisamente a Lei nº 13.709/2018, em seu art. 7º, traz em seu conteúdo as bases legais, ou seja, as hipóteses que autorizam o tratamento de dados pessoais. Nesse artigo, a lei traz as condições em que se autoriza a coleta e o tratamento de dados pessoais. No caso da Recuperação de Crédito, o tratamento de dados é autorizado desde que seja necessário para execução de contrato, quando vise o exercício regular de direito em processo judicial, administrativo ou arbitral, bem como para a proteção do crédito.

É natural que, no decorrer desta investigação e lançamento de informações nos autos processuais que, normalmente são processos públicos de acesso livre, muitas pessoas terão acessos a esses dados, a exemplos dos membros do Judiciário, advogados e partes interessadas.  Diante disso, vem o questionamento de como se preservaria os direitos dos titulares nessas ocasiões e se há risco de penalidade pela lei durante os procedimentos de investigação para Recuperação de Crédito.

Considerando tais perspectivas, a primeira coisa que se precisa ter em mente são os princípios da LGPD, especialmente a tríade: Finalidade – Adequação- Necessidade. Esses princípios trazem uma clara delimitação ao controlador/operador, uma vez que o tratamento de dados deve ocorrer limitando o uso somente daqueles dados essenciais para a finalidade desejada. Assim, para fins de Recuperação de Crédito, os dados do titular utilizados serão aqueles necessários para se desvendar o patrimônio do devedor, para a satisfação do crédito existente.

Desta forma, da mesma maneira que a lei ampara o credor na busca da satisfação do crédito, também traz sanções para aqueles que não fazem a devida análise dos dados coletados, que vai desde a coleta e exposição de dados desnecessários ao fim que se objetiva, até à venda ou mesmo a transferência de dados de forma aleatória ao longo do processo judicial. A lei é clara de que aquele que, ao realizar o tratamento de dados pessoais, causar danos ao titular, tem a obrigação de reparar (art. 42 da Lei nº 13.709/2018).

Assim, a Legislação de forma alguma, traz qualquer proibição da busca de informações necessárias à recuperação do crédito, uma vez que a proteção ao crédito e o exercício regular do direito estão amparados pela LGPD. No entanto, é imperioso que os agentes de tratamento procedam a uma gestão clara das informações recebidas, selecione os dados essenciais para atingir seu resultado e, o mais importante, e regule de forma muito rígida o compartilhamento de dados, para que não incorra nas penalidades previstas em lei.

Com o atual cenário econômico instável, a atenção à inadimplência precisa ser redobrada e as medidas de ação precisam ser estrategicamente pensadas pelo empreendedor, sendo sempre valioso o apoio daqueles que possuem expertise no assunto, pois se dedicam diariamente a propor medidas que visem sempre manter a performance investigativa, sem violar a legislação vigente. Realizar boas práticas de negociação, agir com prudência na captura de informações e dados necessários ao bom procedimento de rastreio patrimonial, são medidas fundamentais para garantir a proteção da cadeia de crédito sem violar os direitos do devedor inadimplente.

[1] https://www.serasa.com.br/limpa-nome-online/blog/mapa-da-inadimplencia-e-renogociacao-de-dividas-no-brasil/