A pandemia do COVID-19 tem gerado pânico pelos mais variados prismas em que é analisado. Ainda não é possível mensurar os impactos que esse novo coronavírus vai ocasionar nas vidas das pessoas, de todo o mundo.
Famílias desoladas com a perda de parentes, amigos, conhecidos… problemas psicológicos por conta de toda essa tensão que estamos vivendo, necessariamente, com o isolamento social.
As relações de trabalho também serão fortemente impactadas, com o aprofundamento de uma crise econômica que ainda estava engatinhando para ser superada. A grande maioria das empresas não terá fôlego para manter a integralidade de seus postos de trabalho e muitas delas, infelizmente, entrarão em recuperação judicial ou mesmo em processo de falência.
A situação é tão grave que, segundo avaliação da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a crise decorrente do COVID-19 poderá aumentar o desemprego global em quase 25 milhões, caso não haja uma resposta política coordenada internacionalmente.
Diante desse cenário nada agradável, e com um horizonte ainda incerto, foi publicada no dia 22 (domingo), a MP nº 927, que dispõe sobre as medidas trabalhistas para enfrentamento do estado de calamidade pública decorrente do coronavírus, calamidade essa reconhecida pelo Congresso Nacional (Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020).
Logo em seu primeiro artigo, no parágrafo único, a MP disciplina que estado de calamidade pública, para fins trabalhistas, constitui hipótese de força maior, nos termos do art. 501 da CLT. A consequência imediata de tal previsão é a possibilidade de redução geral dos salários dos empregados da empresa, em percentual de até 25%, respeitado o salário mínimo (art. 503, CLT).
Em seguida, no art. 2º, a MP prevê que, durante o estado de calamidade pública, o empregado e o empregador poderão celebrar acordo individual escrito, a fim de garantir a permanência do vínculo empregatício. Um detalhe dessa norma, que já está sendo questionada e certamente será objeto de ações judiciais, é que ela disciplina que o acordo individual escrito terá preponderância sobre os demais instrumentos normativos, legais e negociais, tendo como limite apenas as regras constitucionais.
A partir do art. 3º, a MP passa a disciplinar algumas medidas que poderão ser adotadas pelos empregadores para o enfrentamento da crise do COVID-19 e para preservação do emprego e da renda dos trabalhadores. Dentre o rol exemplificativo, a Medida lista as seguintes providências: (i) teletrabalho; (ii) antecipação de férias individuais; (iii) concessão de férias coletivas; (iv) aproveitamento e antecipação de feriados; (v) banco de horas; (vi) suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho; (vii) direcionamento do trabalhador para qualificação; e (viii) diferimento do recolhimento do FGTS.
Metade dessas providências já eram previstas na CLT, contudo, a MP veio para flexibilizar algumas regras diante da importância e urgência em se retirar o máximo de pessoas de circulação, potencializando, assim, o isolamento social recomendado pelo Ministério da Saúde.
Como exemplo, para a concessão de férias coletivas, nesse período de calamidade, foi dispensada a obrigatoriedade do aviso prévio a Superintendência Regional do Trabalho e da comunicação aos Sindicatos, bastando a informação aos empregados com uma antecedência mínima de 48h.
Contudo, a medida mais festejada pelo empresariado foi a prevista no art. 18 da MP, que previa, em moldes semelhantes ao do art. 476-A da CLT, que o contrato de trabalho poderia ser suspenso, pelo prazo de até 04 meses, para participação do empregado em curso ou programa de qualificação profissional não presencial oferecido pelo empregador. Nesse período, pelo texto da Medida, seria uma faculdade do empregador conceder ao empregado uma ajuda compensatória mensal, sem natureza salarial.
Dentre todas as medidas, essa seria a única que, na prática, possibilitaria uma redução substancial dos custos do empregador, necessária para se amenizar os graves efeitos dessa crise.
Ocorre que tal dispositivo virou, de imediato, alvo de inúmeras críticas por parte de Sindicatos e de Entidades de Classe como a ANAMATRA e a OAB, tendo esta última, por meio de Nota Técnica, declarado que “a supressão indisfarçável da contraprestação salarial aos trabalhadores, num período de iminente carência generalizada de diversos produtos, com a manutenção inarredável das despesas para a sua subsistência e de sua família, traduz postura de desenganado abandono dos despossuídos, em favor do frio interesse econômico e empresarial”.
O Ministro da Economia, Paulo Guedes, alegando ter havido um erro de redação nesse trecho da MP, afirmou que o Governo nunca tinha cogitado a suspensão dos salários dos trabalhadores, mas apenas a preservação dos empregos.
Diante da forte pressão popular, o Presidente revogou, nesta segunda-feira (23), o referido art. 18 e, consequentemente, a possibilidade de suspensão de contratos de trabalho com corte de salário, durante a pandemia de coronavírus.
Nova Medida Provisória já está sendo elaborada e deve ser publicada ainda essa semana, diante da urgência e da completa insegurança gerada para trabalhadores e empresários. Pelo que tem sido antecipado por membros do Governo, a nova MP reiterará a autorização para a suspensão dos contratos de trabalho, entretanto, trará regras que garantirão recursos mínimos para uma subsistência segura e digna dos trabalhadores nesse momento de calamidade. Parte desses recursos seriam, inclusive, aportados pelo Governo Federal via seguro desemprego.
Assim, cada esfera da relação trabalhista daria sua parcela de sacrifício nesse enfrentamento ao COVID-19: (i) os trabalhadores, que teriam seus empregos mantidos, suportariam uma redução da sua remuneração; (ii) os empregadores, que teriam uma redução significativa dos seus custos, além de benefícios outros como diferimento no pagamento de tributos, contudo, teriam a obrigação de manter um percentual razoável das remunerações de seus colaboradores; e (iii) o Governo, que faria um complemento nas remunerações, garantindo um patamar mínimo de subsistência dos trabalhadores (vital para viabilizar um efetivo isolamento social dos mesmos) e, além disso, evitaria uma agudização da precarização das relações trabalhistas.
Para finalizar, é importante destacar que todas as demais medidas previstas na MP nº 927 estão em pleno vigor, já podendo os empregadores se valerem de qualquer uma delas, apenas sendo importante uma análise detalhada do perfil da empresa e das suas perspectivas em relação a esse período de pandemia, pois devem escolher a medida (ou um mix delas) que mais seja apropriada para o desempenho eficiente de suas atividades.
Quanto a possibilidade de suspensão dos contratos de trabalho com redução dos salários, importante aguardar o texto da nova Medida Provisória que está para ser encaminhada ao Congresso, bem como uma análise ainda mais cautelosa de seu conteúdo, para que a aplicação de tal medida pelo empregador não seja um remédio interessante a curto prazo, mas que se torne um verdadeiro pesadelo em termos de passivos trabalhistas no futuro.