“Limbo previdenciário” perto do fim?

Tramitam na Câmara dos Deputados dois Projeto de Lei que tratam de um tema que, até então, gera enorme insegurança jurídica para empregados e empregadores: o “limbo previdenciário”, que ocorre quando o empregado acaba ficando sem o benefício previdenciário que estava gozando (auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez) e sem os salários do seu empregador, pelo fato de ter recebido alta do INSS, mas não ter sido considerado apto para o retorno ao trabalho pelo médico da empresa.

Tal contradição gera consequências graves, pois, em regra, inviabiliza financeiramente o sustento do trabalhador, bem como submete o empregador a uma enorme insegurança jurídica.

Infelizmente, essa situação é muito comum e tem sido objeto de inúmeras ações judiciais, tanto na Justiça Federal, onde o trabalhador aciona o INSS na busca da concessão/manutenção do seu benefício, como na Justiça do Trabalho, onde o empregador é acionado para ser responsabilizado pelo pagamento dos salários ao trabalhador enquanto perdura a indefinição quanto ao direito ao benefício junto ao INSS.

No início de 2019, foi apresentado um Projeto de Lei que trata do tema (PL 5773/19), prevendo mecanismos para facilitar o contraditório em perícias médicas do INSS, especialmente ao disciplinar que o médico perito deverá entregar ao segurado um laudo conclusivo com informações detalhadas e taxativas sobre o trabalhador e o seu estado de saúde.

Mas é o PL 6526/19, apresentado em 19.12.2019, que enfrenta a celeuma de forma mais direta, alterando a CLT para buscar, na solução desse “limbo previdenciário”, “um caminho mais célere, eficaz e que respeita os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa“.

Primeiro ponto que merece destaque nesse projeto é a previsão de que, em caso de indeferimento ou cessação do benefício previdenciário do empregado, por ter sido considerado pela perícia do INSS, o empregador deverá, necessariamente, manter o pagamento dos salários desse trabalhador, ainda que o exame médico realizado por sua conta ateste a inaptidão do empregado para o trabalho.

Tal regra é justificada no projeto pela presunção de legalidade, legitimidade e auto-exequibilidade do ato administrativo proferido pelo INSS, presunção essa que, na prática só tem sido afastada pelo Poder Judiciário.

Desse modo, o empregador, pelo texto do projeto, apenas seria desonerado de tal encargo na hipótese em que “houver recusa deliberada e injustificada do empregado em assumir a função anteriormente exercida ou aquela para a qual tenha sido readaptado

Outra alteração relevante está na inclusão do artigo 643-A na CLT, que traz uma regra que disciplina que a Justiça do Trabalho passaria a ter a competência exclusiva para processar e julgar a ação envolvendo tal problemática.

Nesse aspecto, além de simplificar e racionalizar o procedimento, a proposta afasta o risco de decisões conflitantes entre as Justiças Federal e Laboral sobre a mesma questão de mérito, gerando, sem dúvida, uma maior segurança jurídica às partes interessadas.

Com uma lógica muito clara, é ponderado na justificativa do projeto que essa centralização da competência na Justiça do Trabalho não acarretaria novas despesas à Administração, pois “aproveita a estrutura judiciária trabalhista existente, bastante capilarizada, dentro da margem de redução de seu potencial operativo decorrente da reforma trabalhista”.

Assim, a partir do novo regramento idealizado pelo PL 6526/19, no caso do trabalhador se ver diante do “limbo previdenciário”, caberá ao mesmo ajuizar uma ação perante a Justiça do Trabalho, em face do INSS e do empregador, conjuntamente, com o objetivo de esclarecer a questão relativa a sua aptidão ou inaptidão para o trabalho e, a depender do resultado, obter o pagamento de salário ou a percepção de um benefício previdenciário.

Diante das provas produzidas no processos, inclusive por meio de prova pericial, se o juízo constatar a aptidão do empregado para o trabalho, haverá a condenação do empregador a: (i) pagar ao empregado os salários e as demais vantagens devidos durante o período de afastamento; e (ii) ressarcir ao INSS os valores que eventualmente tiverem sido pagos liminarmente por essa Autarquia.

Por outro lado, se for constatada pelo juízo a inaptidão do empregado para o trabalho, será determinada a concessão ou o restabelecimento do benefício previdenciário, podendo o empregador, nessa hipótese, compensar os salários que eventualmente tenha pago ao trabalhador durante o limbo.

É inquestionável a relevância da matéria levada a debate por esse projeto de lei, pois pretende regular um assunto que, atualmente, por falta de um dispositivo legal, acaba sendo tratado sem qualquer uniformidade pelas Cortes Trabalhistas.

Importante, então, o acompanhamento e a participação da sociedade, especialmente, do empresariado, na discussão, para que esse projeto de lei tramite regularmente e, com sua aprovação e promulgação em Lei, possa, assim (e enfim), minimizar o estado de insegurança que hoje é inerente ao tema.