LGPD: proteção aos dados sensíveis dos menores e desafio ao Programa de Jovens Aprendizes

*Por Luciano de Almeida Souza Coelho

A famigerada Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), instituída pela Lei nº 13.709 de 14 de agosto de 2018, dispõe sobre o tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, por pessoa natural ou por pessoa jurídica. A LGPD tem quebrado diversos paradigmas, objetivando a proteção de direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade do titular dos dados.

Trata-se de uma legislação especial com normas de interesse nacional e que devem ser observadas por todos os entes federativos. A complexidade das regras trazidas pela LGPD e a gravidade das penalidades previstas em caso de seu descumprimento têm gerado preocupação para diversos setores da sociedade.

Um dos setores com maior preocupação, sem dúvida, é o empresarial, pois toda empresa, independentemente do seu porte e área de atuação, é uma controladora de dados, responsável pelo tratamento dos dados pessoais de cada empregado.

Desde a fase pré-contratual, o empregador tem responsabilidades para com o devido tratamento dos dados dos candidatos/empregados, justamente porque inúmeras informações (inclusive, sensíveis) são coletadas já no processo de seleção e tratadas mesmo depois de rescindidos os contratos de trabalho. Em resumo, “a relação de trabalho sequer teria como se iniciar e desenvolver sem a coleta, recepção, armazenamento e retenção de dados pessoais dos empregados ou candidatos a empregos”.

Exigindo uma completa mudança de cultura da sociedade em geral, a LGPD estabelece que o empregador não tem direito a se apropriar de todo e qualquer dado do seu colaborador, mas somente daqueles essenciais para o cumprimento do contrato de trabalho, ou seja, o mínimo necessário.

O processo de adequação às regras de proteção de dados exige que o empregador revisite todos os documentos e rotinas da empresa, formalizando aditivos contratuais com empregados, fornecedores e parceiros. Os dados precisam ser pormenorizadamente mapeados para que o empregador, como controlador, possa tratá-los de acordo com os princípios e regras da LGPD, sempre observando a finalidade, adequação e necessidade dos dados tratados.

Ocorre que, ao tratar de um contrato de aprendizagem, o empregado precisa ter uma atenção ainda maior, pois, nos termos do artigo 14 da LGPD, “o tratamento de dados pessoais de crianças e de adolescentes deverá ser realizado em seu melhor interesse”, exigindo ainda o legislador que tal tratamento “deverá ser realizado com o consentimento específico e em destaque dado por pelo menos um dos pais ou pelo responsável legal” (art. 14, §1º, da LGPD), cabendo ainda ao empregador “realizar todos os esforços razoáveis para verificar que o consentimento […] foi dado pelo responsável pela criança, consideradas as tecnologias disponíveis” (art. 14, §5º, da LGPD).

Diante da sua singularidade, o tratamento de dados de jovens adolescentes precisa ser muito transparente, com o fornecimento das informações “de maneira simples, clara e acessível, consideradas as características físico-motoras, perceptivas, sensoriais, intelectuais e mentais do usuário”, inclusive com a utilização de recursos audiovisuais quando se fizer necessário e/ou adequado para a melhor compreensão dos pais (ou responsável legal), assim como para o próprio jovem titular dos dados.

Essa questão ganha uma relevância diferenciada em virtude de o contrato de aprendizagem, após as inovações trazidas pela Lei nº 11.180 de 2005, ter o limite etário máximo de 24 (vinte e quatro) anos. Desse modo, pelo menos em tese, poderia o empregador cumprir integralmente a cota legal contratando como aprendizes apenas jovens adultos, para os quais a LGPD não confere um tratamento diferenciado quanto a proteção dos dados pessoais.

Trata-se de uma questão delicada e que, bem possivelmente, ocorrerá na prática empresarial, ainda que de forma velada, podendo se tornar um desafio para o Programa de Jovens Aprendizes, Isto porque, sob o olhar pragmático e utilitarista do empresário, a contratação de um jovem aprendiz adolescente, em virtude desse tratamento diferenciado, acabaria lhe gerando uma maior responsabilidade, inclusive com custos mais elevados, para garantir uma proteção adequada dos dados do colaborador em aprendizagem.

Essa percepção, de uma maior carga de responsabilidade, é acertada. Entretanto, ainda que pareça legítimo, ofenderia os preceitos constitucionais a conduta do empregador ao fazer, no processo de recrutamento e seleção, uma discriminação por idade prejudicial ao jovem adolescente.

Ofenderia, também, a principal regra da LGPD ao tratar desse tema, pois, se é imperioso que o tratamento de dados pessoais de adolescentes seja realizado em seu melhor interesse, não é concebível que a idade do menor possa ser utilizada pelo empregador para excluí-lo de um processo seletivo, inviabilizando uma oportunidade de formação técnico-profissional para uma pessoa que goza de uma condição peculiar, justamente por estar em pleno desenvolvimento (art. 6º, do ECA).

Destarte, além de se revelar uma atitude discriminatória, uma regra que previsse a contratação exclusiva, ou mesmo preponderante, de aprendizes maiores de idade afrontaria gravemente o direito à profissionalização do adolescente e, com isso, mitigaria o princípio da proteção integral.

 

*Pós-graduado em Direitos Humanos pela Universidade de Coimbra e Especialista em Processo pela Centro da Cultura Jurídica da Bahia – CCJB. Diretor da U.S. Chamber of Commerce of Amazonas. Secretário da Comissão de Direito Empresarial da OAB/AM. Presidente da Comissão de Análise Prévia dos Processos do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/AM.