Em mais um capítulo da novela envolvendo o índice de correção de débitos trabalhistas, se a Taxa Referencial (TR) ou o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E), o Supremo Tribunal Federal, através de decisões liminares concedidas monocraticamente pelo Min. Gilmar Mendes, determinou a suspensão de todos os processos no âmbito da Justiça do Trabalho envolvendo tal discussão.
Tais decisões, que devem ser submetidas a referendo do Plenário do STF, foram proferidas no bojo das Ações Declaratórias de Constitucionalidade nºs 58 e 59, ajuizadas, respectivamente, pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif) e pela Confederação Nacional da Tecnologia da Informação e Comunicação (Contic), que, em resumo, argumentam a existência de um “grave quadro de insegurança jurídica”, que tem se agravado com o posicionamento que vem sendo consolidado pelo Tribunal Superior do Trabalho.
De fato, o posicionamento do TST tem gerado bastante insegurança, pois o Tribunal tem acolhido a substituição da TR pelo IPCA-E em suas decisões, estando o Conselho Superior da Justiça do Trabalho na iminência de expedir nova tabela de atualização dos débitos trabalhistas com a aplicação do IPCA.
Como já mencionado em artigo anterior, esse imbróglio envolvendo qual índice a ser aplicado para correção de débitos trabalhista teve início em 2015, quando o STF, ao apreciar as Ações Diretas de Inconstitucionalidade nºs 4.357, 4.372, 4.400 e 4.425, teria reconhecido a inconstitucionalidade parcial da regra trazida no art. 100, §1º, da CF para definir o IPCA-E como o índice de correção monetária dos débitos judiciais da Fazenda Pública.
Agarrando-se nesse entendimento do STF, o TST firmou jurisprudência, quanto ao critério de correção monetária, no sentido de adotar o IPCA-E como o índice que refletiria a variação da inflação e, com isso, garantiria uma real correção dos débitos trabalhistas.
Ocorre que, com a Reforma Trabalhista ocorrida em 2017 (Lei nº 13.467/17), o legislador acrescentou o §7º ao art. 879 da CLT, disciplinando expressamente que “a atualização dos créditos decorrentes de condenação judicial será feita pela Taxa Referencial (TR), divulgada pelo Banco Central do Brasil, conforme a Lei nº 8.177, de 1º de março de 1991“.
Mesmo após a inovação legislativa, o TST manteve o seu posicionamento, contra legem, sob o fundamento de que tal regra teria perdido a sua eficácia normativa em virtude de fazer remissão a artigo cuja inconstitucionalidade já havia sido declarada por essa Corte Trabalhista.
A MP nº 905/2019 (Contrato Verde e Amarelo) também tratou do tema, mas de nada serviu, pois a Medida acabou sendo revogada pelo Governo, uma vez que era certo que a mesma não seria convertida em lei pelo Congresso.
Diante desse cenário conturbado, o STF já havia se posicionamento sobre a questão, em decisão proferida nesse ano de 2020, que cassou acórdão do TST que aplicava o IPCA-E como o índice oficial de correção de débitos trabalhistas (ARE 1.247.402).
As recentes decisões liminares, nas ADC´s 58 e 59, são decorrência desse cenário de completa insegurança, que é agravado pela ausência de perspectiva de julgamento do mérito dessas ações em curto prazo pelo Plenário da Suprema Corte, quando a sociedade necessita de respostas rápidas e efetivas do Estado para o enfrentamento da gravíssima crise socioeconômica que o país terá que atravessar pelos efeitos da pandemia.
Como bem ponderou o Min. Gilmar Mendes em suas decisões, “a Justiça do Trabalho terá papel fundamental no enfrentamento das consequências da crise econômica e social”, contudo, nesse período crítico, “o STF tem zelado pela adequação constitucional de medidas extremas que buscam conter os impactos econômicos adversos da crise”, ponderando com razão e muita propriedade que “as consequências da pandemia se assemelham a um quadro de guerra e devem ser enfrentadas com desprendimento, altivez e coragem, sob pena de desaguarmos em quadro de convulsão social”.
Por outro lado, é preciso também destacar que tais decisões monocráticas terão um impacto absurdo na Justiça do Trabalho, pois praticamente todos os processos trabalhistas acabam discutindo, direta ou indiretamente, as regras de correção monetária dos créditos decorrentes das condenações judiciais. Eventual suspensão desses processos, na verdade, implicará praticamente na suspensão da própria Justiça do Trabalho, gerando prejuízos imensuráveis para os jurisdicionados e para a sociedade em geral.
A situação é tão crítica que a OAB Nacional solicitou uma audiência ao Min. Dias Toffoli, presidente do STF, para emergencialmente tratar desse tema, pois acredita a entidade que “tais decisões monocráticas possuem um alcance incalculável”, inclusive “com repercussão drástica na integridade dos créditos respectivos e na circulação da economia neste momento de crise”.
Certo é que, repetindo o já dito anteriormente, “essa novela ainda não chegou ao seu fim, restando aguardar as cenas dos próximos capítulos, tendo a insegurança jurídica como seu maior protagonista”.