*Por Michelle Nascimento Tachy Coelho
A comunicação dos atos processuais é o meio que se leva a alguém o conhecimento dos atos a serem realizados no processo. Segundo a doutrina de Elpídio Donizette, os ônus e faculdades decorrentes da relação processual só se estabelecem após a comunicação do ato. O réu só se vincula ao processo, sujeitando-se aos efeitos da sentença, após a citação. O prazo para apresentar quesito só começa a fluir após a intimação do despacho que nomeou o perito. Daí a importância da comunicação dos atos processuais.
O CPC estabelece como formas de comunicação dos atos processuais a citação e a intimação. A citação tem por finalidade dar ao réu conhecimento da propositura de ação, enquanto a intimação é dirigida a qualquer sujeito, processual ou não, para tomar ciência de determinado ato processual.
A doutrina tradicional entende que o principal efeito da citação válida é angularização processual, uma vez que, com a citação está formada a relação autor-juiz-réu. Além disso, o art. 240 do CPC prevê outros três efeitos que seria a indução à litispendência, tornar a coisa litigiosa e constituir o devedor em mora.
A intimação, por sua vez, é um ato genérico tanto em relação ao destinatário quanto ao seu conteúdo, pois ela se presta a informar todos os atos do processo, ressalvada a existência de propositura de ação, tendo em vista que este ato será feito pela citação.
Dito isto e considerando a importância da comunicação dos atos para o prosseguimento válido da demanda judicial, visto que o procedimento é composto por múltiplos atos processuais, a doutrina e a jurisprudência frequentemente traz estudos sobre a forma de se comunicar os atos processuais para que, aliados às novas ferramentas tecnológicas, esta comunicação seja cada vez mais eficaz e célere, em consonância com os princípios da efetividade e celeridade processual, sem afetar princípios constitucionais, como contraditório e ampla defesa.
Além disso, antes mesmo da revogação do código processual civil anterior (CPC/73), já havia alterações legislativas que autorizavam a utilização de meios eletrônicos de comunicação, bem como a informatização dos processos. Em 2006, a lei 11.280/2006 alterou o art. 154 do CPC/73 autorizando a comunicação de atos processuais por meio eletrônico. No entanto, a lei 11.419/2006 deixou a critério de cada Tribunal criar seu próprio sistema de informatização, cabendo a estes definirem a forma de processamento dos procedimentos eletrônicos em sua sede:
Art. 154. Os atos e termos processuais não dependem de forma determinada senão quando a lei expressamente a exigir, reputando-se válidos os que, realizados de outro modo, Ihe preencham a finalidade essencial.
Parágrafo único. Os tribunais, no âmbito da respectiva jurisdição, poderão disciplinar a prática e a comunicação oficial dos atos processuais por meios eletrônicos, atendidos os requisitos de autenticidade, integridade, validade jurídica e interoperabilidade da Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP – Brasil. (Incluído pela Lei nº 11.280, de 2006)
§ 2º Todos os atos e termos do processo podem ser produzidos, transmitidos, armazenados e assinados por meio eletrônico, na forma da lei. (Incluído pela Lei nº 11.419, de 2006).
O Novo Código de Processo Civil, além de seguir a ideia de promover a comunicação de atos processuais por meio eletrônico, inicialmente não trouxe maiores critérios de aplicação dos métodos tecnológicos adequados a fim de implementar esses novos procedimentos.
Para exemplificar, o art. 246 do Código de Processo Civil, antes da alteração promovida pela lei 14.195/2021, não priorizava o meio eletrônico como forma principal de citação. Além disso, a alternativa de citação por meio eletrônico não veio imbuída de critérios razoáveis de aplicação, trazendo apenas a possibilidade de sua utilização, o que se permitia ficar a critério de cada Tribunal utilizar o meio tecnológico que entendesse adequado para comunicar os atos processuais.
Além disso, a doutrina e jurisprudência trouxe, no decorrer dos anos, as mais variadas interpretações processuais e constitucionais e sobre o tema em tela, no intuito de validar os mais diversos meios e recursos tecnológicos como métodos eficazes para se comunicar os atos processuais, trazendo sérios riscos à violação a segurança jurídica, além dos princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa.
As restrições e mudanças impostas pela pandemia causada pelo novo Coronavírus, principalmente no que concerne a necessidade de distanciamento social, foram fatores sociais também utilizados como justificativa para se simplificar os métodos de comunicação dos atos processuais.
Nesse período, foram apresentadas diversas teorias facilitadoras no uso de instrumentos eletrônicos para citação e intimação eletrônica, como aplicativos de comunicação instantânea, dentre outros métodos de comunicação inseguros para os procedimentos perante os Tribunais, especialmente por não terem sido criteriosamente regulamentados por normas específicas.
Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça proferiu decisão entendendo pela possibilidade da citação pelo aplicativo WhatsApp, utilizando como critério para o uso a existência de “elementos indutivos da autenticidade do destinatário, como número do telefone, confirmação escrita e foto individual”.
“[…] 7. Como cediço, a tecnologia em questão permite a troca de arquivos de texto e de imagens, o que possibilita ao oficial de justiça, com quase igual precisão da verificação pessoal, aferir a autenticidade da conversa. É possível imaginar-se, por exemplo, a exigência pelo agente público do envio de foto do documento de identificação do acusado, de um termo de ciência do ato citatório assinado de próprio punho, quando o oficial possuir algum documento do citando para poder comparar as assinaturas, ou qualquer outra medida que torne inconteste tratar-se de conversa travada com o verdadeiro denunciado.” […]
Além disso, alguns juizados especiais, sem qualquer regulação específica, se utilizam dos meios de aplicativo de mensagens para comunicar atos processuais e realizar atos procedimentais, sem uma regulamentação específica para tanto.
Como se pode perceber, no interesse de se promover a celeridade processual, o operador do Direito vem buscando alternativas cada vez mais inusitadas para a realização de citações e intimações judiciais, deixando de pôr em prática métodos mais eficientes, para colocar toda a comunidade jurídica diante de um cenário de verdadeira incerteza e insegurança, especialmente ao disseminar o mau uso dessa tecnologia no Judiciário brasileiro.
Com isso, com as novas premissas legais existentes, especialmente àquelas advindas da lei nº 14.195/2021, que alteram os procedimentos de comunicação dos atos processuais, priorizando o meio eletrônico para sua consecução, se vislumbra uma excelente oportunidade de se unificar os métodos existentes, para que se promovam citações e intimações respeitando princípios processuais, sem deixar de promover a tão almejada celeridade processual.
Mas esse será um tema para tratarmos posteriormente.
*Graduada em Direito pelo Centro Universitário Jorge Amado e Pós-graduada em Direito do Estado pelo Instituto de Excelência Ltda – JusPodivm. Sócia do Coelho & Tachy Advogados.